O Brasil é um país onde o improviso, a criatividade e a fé na sorte se misturam de forma única. Em meio a essa mistura, um jogo atravessa décadas, governos e proibições, mantendo-se firme no imaginário popular: o Jogo do Bicho. Mesmo considerado ilegal, ele resiste — e não apenas sobrevive, mas continua ativo, relevante e profundamente enraizado na cultura brasileira.
Uma História que Começou com um Zoológico
Criado em 1892 por João Batista Viana Drummond, o barão de Drummond, o Jogo do Bicho foi originalmente uma ação promocional para atrair visitantes ao zoológico do Rio de Janeiro. A ideia era simples: cada bilhete de entrada vinha com a imagem de um animal, e ao final do dia, um animal era sorteado. Quem tivesse o animal premiado, ganhava um prêmio em dinheiro.
O sucesso foi imediato. A mecânica era fácil de entender, popular entre todas as classes sociais e logo se espalhou pelas ruas — até se tornar o que conhecemos hoje.
Cultura Popular e Cotidiano
Mais do que um jogo de azar, o Jogo do Bicho virou parte da cultura popular brasileira. Ele está nos sonhos interpretados como sinais, nas conversas de bar, nas músicas, nos filmes e até nas novelas. É comum ouvir alguém dizer “sonhei com cobra, vou jogar no grupo 9 (cabra)”, como se a sorte estivesse nas entrelinhas do subconsciente.
O termo “Deu no Poste” virou uma instituição informal: um boletim diário que anuncia os resultados dos sorteios e movimenta apostadores em todas as regiões do país.
Legalidade vs. Realidade
Oficialmente, o Jogo do Bicho é ilegal desde 1946, por ser enquadrado como contravenção penal. Mas a sua ilegalidade não impediu sua continuidade. Pelo contrário, ele se adaptou, criando um sistema paralelo com bancas fixas, sorteios regulares e até sistemas informatizados de apostas.
Polêmico, o jogo já foi alvo de inúmeras operações policiais, denúncias de ligação com o crime organizado e debates no Congresso. Ainda assim, permanece como uma prática cotidiana — tolerada e, muitas vezes, ignorada pelas autoridades locais.
Economia Invisível
Estima-se que o Jogo do Bicho Deu no Poste movimente milhões de reais por ano em apostas. Sem regulação, todo esse dinheiro circula fora do sistema bancário oficial, o que levanta questões econômicas e sociais. Ainda assim, muitos argumentam que o jogo gera empregos, sustenta famílias e até oferece um “sistema de crédito” informal entre bancas e apostadores.
Por Que Ainda Existe?
A durabilidade do Jogo do Bicho pode ser explicada por uma combinação de fatores:
- Facilidade de acesso: qualquer pessoa pode apostar, com valores baixos.
- Tradição familiar: muitos aprendem a jogar com pais e avós.
- Fé e superstição: sonhos, sinais e “intuições” movimentam as apostas.
- Ausência de alternativas legais: a falta de opções de loteria rápida e acessível estimula a adesão.
O Futuro do Bicho
Apesar das mudanças na sociedade e do avanço das apostas online, o Jogo do Bicho segue firme. Bancas se modernizaram, e algumas já aceitam até apostas por WhatsApp. Ainda assim, o jogo continua vivendo no limite entre o proibido e o permitido, entre a sorte e a tradição.
Talvez essa seja a sua maior força: não ser apenas um jogo, mas um símbolo cultural, que fala de fé, de cotidiano, de identidade brasileira.